terça-feira, 24 de março de 2015

[Ao domingo tenho tido algumas crises de identidade]

Ao domingo tenho tido algumas crises de identidade
e durante as tardes de chuva perco o rumo de quem sou
sem que ninguém dê conta
e já não é a primeira vez que assumo nos poemas
que escrevo o nome de escritoras de incontornável valor
como hoje que assinei marguerite duras e me despedi
no último verso com um p.s. e uma frase em francês
que prolongava a despedida do meu amante chinês
tudo isto cheia de umas saudades esquisitas
que me pareciam mesmo verdadeiras e até me chegaram
à boca cheias de sons dentais e de estalidos que desconhecia
Quando acabei de escrever fiquei ainda mais angustiada
e senti-me uma poeta de destino incerto como me ensinou
Nuno Júdice numa fórmula de uma luz inexplicável
por isso lembrei-me de versos desse mestre e não consegui
fazer mais do que um avião do papel em que escrevi
o meu poema para poder atirá-lo da janela do meu quarto
para a rua e descer as escadas para o apanhar e meter novos
versos no meio dos que lá estavam até ninguém poder saber
quais eram os primeiros ou os últimos
mas antes de me sintonizar com a vida doméstica que estava
mesmo ao meu lado com os cozinhados à minha espera
admirei-me por não ter subido às nuvens com aquilo
que escrevi e só depois me lembrei que talvez fosse
por não ter lido em voz alta esse poema mudado.

Sem comentários:

Enviar um comentário