quinta-feira, 23 de maio de 2013

[Por vezes os olhos das pessoas]

Por vezes os olhos das pessoas
transformam-se em olhos de bichos
e sinto-me envergonhada com o que fiz
pois atravessa-me uma piedade imensa
da sua aparente irracionalidade 
da sua ignorada fragilidade
de um olhar que não entende
Outras vezes esses olhos de bicho surgem
talvez porque me amedrontem
porque cospem frios sinais
lembram-me bestas a ferirem humanos
como bestas    de um só golpe sem aviso
Estes são aqueles olhares loucos
que penetram a carne sem esforço
E enfim entre o dó e o temor
procuro desencontrar-me desses olhos
todos    insistindo em ouvir muito
em vez de ver a dobrar  a triplicar ...
Procuro novos códigos
em que o humor ou o temor têm outros signos
só para me afastar definitivamente
destes maus pensamentos
que tenho desde miúda
que não me servem de muito
mas que confesso
me dão até algum prazer
Destas maldades mentais
nunca fui castigada
pois ninguém as vê
ninguém me acusa  sou única testemunha
e quando as quero pôr para trás das costas
e tornar-me uma adulta séria e formatada
repito a frase do meu
Padre António Vieira
fico longe das minhas parvoíces
A alma rende-se muito mais
pelos olhos do que pelos ouvidos
e recupero uma mente saudável
desculpando algumas das minhas perdições
descanso um pouco sobre a frase
volto a repeti-la     e vejo até uma aura
por cima dos meus cabelos
Mas o pior é que ao pensar
no que vou fazer para o jantar
me vêm logo de seguida
à cabeça os robalos que vou cozinhar
e que cá em casa os miúdos se guerreiam
pr'a comer os olhos dos peixes
assim que os vêem tesos na travessa
(não apenas dos robalos tesos mas
de qualquer peixe com olhos duros salientes
e pasmados da morte e da grelha)
E sem que eu queira ou sequer preveja
nasce novamente uma espécie de ameaça
das minhas ideias   da minha dignidade
Caem sobre mim mil imagens
de olhos devorados em disputa
que me pesam nas pestanas
grito daqui grito dali por mais um olho inteiro
e desisto de pensar nisto tudo
e no destino dos nossos olhos depois da morte
esqueço os bichos as pessoas e os seus ares
afasto a imagem das crianças em rude devoração
e intrigada comigo própria e com o meu poder
de inversão das coisas de contaminação fantástica
fecho os meus próprios olhos indignada
E privilegio outros sentidos.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

[Procuro um roseiral]



Procuro um roseiral
que sombreie o desejo
                    de subir a tudo
Arrefeço
desço aos poucos
Calo    Caem as pálpebras
Tenho frio   guardo-me
fecho o peito à tempestade

Amanhã 
contarei muitas mais rosas
verei outras cores
       será outro o meu querer.


Imagem: Omar Galliani